O movimento dos sem terra (MST) surgi nos extratos sociais do meio rural economicamente desprivilegiado. O MST se manifesta por meio da luta pela reforma agrária e por mudanças sociais no Brasil e tem como estrutura de base a idéia de coletividade. O presente trabalho tem como principal objetivo observar as Políticas de Educação do Movimento dos Sem Terra, no assentamento João Batista II, em Castanhal-PA.
Figura 1: Localização do Assentamento João Batista II.
Fonte: Leonardo Sousa, Março (2012).
O trabalho realizou-se através de uma visita de campo e uma entrevista com os principais responsáveis pela direção do assentamento e da escola local. Tem-se a entrevista como um importante instrumento, pois, “as palavras são testemunhos muitas vezes mais bem compreendidos do que os documentos.” (NISBET 1984). Através da entrevista pretendeu-se realçar a possibilidade da memória destacando elementos chaves através de perguntas previamente elaboradas pelos alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. Estas perguntas voltaram-se às reflexões dos princípios pedagógicos da educação do MST.
De acordo com a entrevista, o assentamento João Batista II, nasce da luta de 812, família que começou a organizar-se em núcleos individuais de 15 porções. A bandeira levantada pelo movimento é de morada na terra e preparação do campo. Hoje o movimento tem 13 anos de lutas, com 157 famílias vivendo nesta área. Em 10 anos de criação do assentamento a comunidade conseguiu que o poder público regularizasse a situação dos assentados e construísse uma escola.
Observou-se que o assentamento João Batista II, tem priorizado a educação das crianças, jovens e adultos. Segundo Nestor, líder comunitário, esse assunto vem sendo prioridade desde os primeiros dias de ocupação, onde as aulas dos assentados aconteciam em um barracão que oferecia as mínimas condições para o aprendizado das crianças, jovens e adultos. Hoje através da luta da comunidade as aulas acontecem em um prédio com salas de aula, banheiros femininos, masculinos e para deficientes físicos, sala de professores, biblioteca, sala de leitura, sala de educação infantil, copa com depósitos específicos para armazenar produtos de limpeza, alimentação e outros materiais, secretaria, administração, além de um amplo salão de recreação, o que traduz uma melhora bastante expressiva de infraestrutura.
Figura 2: Fachada principal da Escola Roberto Remigi no assentamento João Batista.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
O prédio, segundo Nestor, era um sonho antigo da comunidade. Verifica-se que a educação praticada no assentamento está sintonizada com as demandas produtivas locais do assentamento. A escola atende hoje, 145 alunos do assentamento e de outras comunidades vizinhas, como são o caso da Comunidade Bacuri e comunidade quilombola São Pedro.
No contexto sobre os princípios pedagógicos, observa-se que o movimento tem-se articulado em duas vertentes. Uma centrada nos princípios pedagógicos e a outra nos materiais utilizados como instrumentos de educação pelos educadores.
Figura 3: Biblioteca José Martins da Escola Roberto Remigi no assentamento João Batista.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
Exemplo disso é representado pela expedição “Vaga Lume” que é constituído de um conjunto de livros que tem como principal função promover a leitura na comunidade. A maioria dos livros tem como “pano de fundo” a questão ambiental, a fauna e flora.
Figura 4: Baús de livros da expedição “vaga lume” da Biblioteca José Martins.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
Além da expedição “vaga lume” observou-se outros instrumentos pedagógicos, como por exemplos: cartilhas elaboradas pelos alunos, sobre a história de luta dos assentados. Utiliza-se também instrumentos e símbolos do MST que fortalece a identidade do movimento como bandeiras, chapéus, livros, revistas, foice e etc. Isso segundo Ângela, diretora do colégio, fortalece a ideologia de luta dos assentados.
Dessa forma, conclui-se que a “pedagogia da educação” do assentamento João Batista tem sua inspirada no princípio da produção de conhecimento útil com base na realidade do movimento. Nesse contexto tem-se a produção de materiais como, por exemplo, cadernos com hinos, História de luta e símbolos que tem sido os principais instrumentos de formação. Estes materiais têm proporcionado novas formas de educação no MST, através de práticas pedagógicas que são caracterizadas pela discussão da conjuntura nacional e pelo entendimento que a educação tem várias dimensões e não devem ser trabalhadas igualmente ou com as mesmas metodologias.
Do chapéu de palha das primeiras ocupações de terra ao boné vermelho das marchas pelo Brasil, os Sem Terra se fazem identificar por formas determinadas de luta, [...]. Ao mesmo tempo em que mantêm o jeito próprio dos pobres do campo, os sem-terra do MST vão construindo um jeito diferente, que se transforma, se pensa e se recompõe a cada passo da trajetória que lhes afirma como trabalhadores da terra, e como sujeitos da luta de classes. Os sem-terra de boné vermelho carregam em si os sem-terra do chapéu de palha, embora já não sejam mais os mesmos (CALDART, 2004).
Figura 5: Representações simbólicas e místicas do MST.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
As cartilhas, os cadernos, os livros direcionam e determinam as práticas da militância. Observou-se que dentre as diretrizes consideradas importantes na constituição da identidade individual e coletiva, a mística, que compõe o conjunto de atos culturais vivenciados pelo grupo, caracteriza-se como um dos elementos fundamentais.
Na educação o resgate e a preservação da memória da trajetória histórica do grupo constituem o suporte para a elaboração da identidade individual e coletiva do sujeito sem-terra caracterizando, contemporaneamente. Neste contexto, os princípios que vão desde a relação da teoria com a prática, passando pela diversidade de forma de educação, educação para o trabalho e pelo trabalho, vínculo entre educação e política, economia, cultura, administração democrática, organização dos estudantes, criação de coletivos pedagógicos, incentivo a pesquisa e integração pedagógica na educação individual e coletiva solidificam a filosofia a ser seguida pela coletividade.
Figura 6: Livro da história do assentamento João Batista elaborados pelos alunos Escola Roberto Remigi.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
Existe no movimento uma preocupação de enfatizar que através do trabalho pode-se gerar riqueza como: consciência da realidade para se transformar o movimento, crescimento da cultura, crescimento da cultura política que deve deixar de ser neutra.
A educação afastada da neutralidade é estabelecida pela formação política através do envolvimento do estudante pela luta social do movimento. Isso possibilita a construção de uma nova base pedagógica, uma nova identidade social, uma nova cultura política e formação autocrítica. A educação não neutra busca problematizar várias questões relativas, por exemplo, a grade curricular da escola urbana e o processo pedagógico. Segundo Nestor, a educação afastada da neutralidade acontece todo final de mês, onde os alunos são levados para áreas dentro do assentamento para vivenciarem um processo de ocupação de terra e toda organização e vivenciada pelos alunos.
Segundo Ângela, a metodologia pedagógica do MST é marcada pelos conteúdos socialmente úteis e conectados com os parâmetros curriculares Nacionais (PCNs). A metodologia tem também realizado uma inter-relação entre saberes populares e os acadêmicos. Isso possibilita um aprofundamento da cultura com o conhecimento dito científico. Neste contexto, existe a ênfase na formação de investigadores para pesquisa de métodos de análise para propor mudanças educacionais e políticas para o futuro do movimento.
No grande pátio da escola, visualiza-se vários painéis com rostos de pessoas que influenciam tanto na luta, quanto na Educação. Atenta-se para um educador ucraniano, Anton Semionovitch Makarenko, foi um dos homens que ajudaram a responder a essas questões e a repensar o papel da escola e da família na recém-criada sociedade comunista, no início do século 20. Sua pedagogia tornou-se conhecida por transformar centenas de crianças e adolescentes marginalizados em cidadãos. O método criado por ele era uma novidade pois a escola tinha uma organização baseada na coletividade, levando em conta os sentimentos dos alunos na busca pela felicidade aliás, um conceito que só teria sentido se fosse para todos. O que importava eram os interesses da comunidade e a criança tinha privilégios impensáveis na época, como opinar e discutir suas necessidades no universo escolar.
Além da educação rígida e disciplinada, Makarenko quis formar personalidades, criar pessoas conscientes de seu papel político, cultas, sadias e que se tornassem trabalhadores preocupados com o bem-estar do grupo, ou seja, solidários. Na sociedade socialista de então, o trabalho era considerado essencial para a formação do homem, não apenas um valor econômico.
Estas práticas de Makarenko em época da União Soviética se inserem nos ideais de luta atuais, como o Movimento Sem Terra. A importância da formação das crianças dentro do assentamento, ensinadas conforme as práticas de luta do movimento, para que ao crescerem repassem o que lhes foi ensinado as próximas gerações e assim, fortalecendo o movimento. Por isso a necessidade de um Educador dentro do assentamento precisa estar inserido na luta e principalmente, ser do assentamento, pois a Educação daquela criança pode estar comprometido com os ideais de fora do movimento.
O educador Makarenko e seus ideais são peças fundamentais para a aprendizagem, mas o que realmente é peça-chave do movimento é o Chico Mendes. Este que era seringalista e fundou a resistência de trabalhadores rurais quanto as condições ruins de trabalho e o desmatamento da floresta amazônica, inclusive sendo contrário aos fazendeiros por concentração de terras. Suas lutas foram incansáveis e essenciais para os trabalhadores rurais de hoje, considerado um mártir para a luta de muitas categorias.
Figura 7: Antônio Semiónovtch Makarenkoe Chico Mendes instrumentos da identidade do MST.
Foto: Nicole, Março (2012).
O movimento tem conseguido envolver a comunidade, educandos e educadores num processo pedagógico democrático traduzido numa gestão democrática que tem fortalecido cada vez mais a luta, principalmente em função da organização dos estudantes. As equipes pedagógicas segundo Nestor, em conjunto com os alunos tem realizado uma educação solidária. Ou seja, o movimento tem lutado para formação de uma escola de qualidade social.
Figura 8: identidade de educação do MST na parede da residência do Sr Sabá.
Foto:Leonardo Sousa, Março (2012).
Essa escola de qualidade social pode ser observada com o Sr Sabá, uma das mais antigas lideranças, que no final do ano de 2011, conseguiu concluir o ensino médio sem perder sua identidade, que, aliás, é tão forte que na sala de sua residência de palha, este possui um pequeno “santuário” com vários símbolos e livros do movimento MST.
Pode-se observar que a educação não é o principal problema enfrentado no assentamento João Batista. O movimento tem passado, desde o desvio de terras, consumo de drogas pela classe jovem até o desmembramento da liderança inicial pela divergência de ideais. Existe também a dificuldade de moradia, a considerar a distância que as separam das áreas de produção e preparação do campo. O assentamento depois de legalizado começou a investir na produção através de financiamento de bancos, contudo segundo Nestor, as experiências não foram satisfatórias.
O Líder conta que se tentou a produção de arroz, mandioca, a chamada lavoura branca, e açaí no seco. Também se organizou a criação de gado leiteiro, todavia, não houve êxito significativo. Nestor ainda afirma que, essa situação deu-se em função da falta de conhecimento técnico da comunidade e a falta de apoio do INCRA e órgãos competentes. Isso provocou uma desestruturação na comunidade e a baixa produção das maiorias dos lotes. Ainda têm-se os problemas ambientais, como por exemplo, escavação profunda originada pela erosão em alguns lotes.
Esta erosão além de reduzir a área de produção tem provocado o abandono, pois, em algumas situações o terreno é totalmente desgastado. Em sem nenhuma cobertura vegetal.
Figura 9: Problema de erosão enfrentado no assentamento João Batista.
Foto: Leonardo Sousa, Março (2012).
Após a visita pode-se concluir que o movimento do MST no assentamento João Batista II, através da escola Roberto Remigi, tem organizado a educação de forma prioritária apesar das dificuldades enfrentadas, a toda sorte pela comunidade. O assentamento João Batista, tem contribuído para a vida do assentado na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico e ambiental, bem como, na execução das políticas públicas educacionais das crianças, jovens e adultos.
Texto: Leonardo Sousa e Nicole Rodrigues
Revisão de Texto: Adelniso Fernandes - Posgraduado em Desefa Social
ótimo texto!! Parabéns!!
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