6 de setembro de 2013

PROJETO RADAM: UMA SAGA NA AMAZÔNIA


 
 
O Projeto RADAM (RADar na Amazônia) constitui-se em um dos maiores esforços já realizado pelo governo brasileiro no sentido de mapear a Amazônia. Os resultados do Projeto culminaram com levantamento de todo território brasileiro sob a denominação de PROJETO RADAM BRASIL. A utilização de radar para mapeamento começou no Quadrilátero Ferrífero (MG) pelo projeto SERE do INPE/NASA e em função dos excelentes resultados auferidos foi ampliado até atingir toda a Amazônia Legal e em seguida para o Brasil através do Projeto RADABRASIL.

A idéia de montar o RADAM surgiu quando o Prof. Luiz Henrique Aguiar de Azevedo estava na Nasa, participando no programa espacial na qualidade de Principal Investigator na área de meio ambiente e recursos terrestres. N ocasião o professor tive que fazer um curso de especialização em RADAR em um dos maiores fabricantes do mundo.
  
Após o primeiro contato com o equipamento pensei em aplicá-lo na Amazônia, pois, pelo fato de o local ter muitas nuvens, não seria possível tirar fotografias de avião através de câmeras comuns e, sem uma fotografia, os técnicos, geólogos, engenheiros e outros não poderiam estudar o meio ambiente amazônico. A única forma de fazer o estudo seria por meio de um sensor, que penetrasse nas nuvens. Um equipamento que faz esse trabalho é o radar. Na mesma época eu pertencia ao Ministério de Minas e Energia e sugeri ao então ministro a criação do projeto. Ele aceito (AZEVEDO, 2009).
 
A logomarca do Projeto RADAM, criada pelo falecido fotogrametrista Paulo Sergio Rizzi Lippi, consistia em gaivota, que possui uma acuidade visual cerca de oito vezes superior a do homem, e que representava a aeronave Caravelle que era utilizada pra transportar os equipamentos de radar e câmeras fotogramétricas, incluindo a antena que se posicionava na sua parte inferior para a emissão e recepção das ondas de radar. O sol, na logomarca, representava simbolizava a própria energia do radar, pois é um sensor ativo.
 
Figura 1 - Logomarca do Projeto RADAM.
O projeto de mapeamento do Brasil fazia parte integrante do denominado PIN (Plano de Integração Nacional) na década 70. O projeto enfrentou inúmeros desafios em função de sua metodologia, pois, como realizar levantamento temático de uma região tão ínvia e impérvia, como a Amazônia brasileira. As atividades de campo culminaram na morte de 55 vidas entre técnico nível superior, nível médio, auxiliares técnicos e militares. Os acidentes foram em aeronaves (31 vítimas), helicópteros (8 vítimas), abertura de clareiras (4 vítimas), doenças (7 vítimas), viaturas (3 vítimas) e barco (2 vítimas).
 
O projeto utilizou um Radar de Visada Lateral, da GEMS (Goodyear Eletronic Mapping Sytem) na faixa das micro-ondas complementando por outros sensores do ótico, visível e infravermelho próximo. A escolha do sensor de Radar de Visada Lateral foi escolhida por sua característica de possibilitar o levantamento da Amazônia brasileira e áreas adjacentes em tempo recorde e com resultado plenamente satisfatório.
 
GEMS foi o sistema de radar aerotransportado usado no Projeto Radambrasil, com banda X (3,1 cm) e polarização HH.  Possui ângulo de incidência de 45-77° e resolução espacial de 16 metros. No Projeto Radambrasil, as imagens foram analisadas no formato analógico para mapeamentos de geologia, geomorfologia, pedologia e de vegetação. No final da década de 90, essas imagens foram escanerizadas, possibilitando o seu uso no formato digita.
Entre as características do Radar de Visada Lateral, da GEMS pode-se citar o relace das formas de relevo, independência em relação às nuvens, energia própria, homogeneidades das feições radar-gráfica sob forma de textura e tom, velocidade de levantamento e certa independência em condições climáticas.
 
O Radar tem boa penetração nas nuvens; o que possibilita ao radar imagear sob intensas condições de nebulosidade. Esta característica assume grande importância em regiões tropicais, onde a presença de nuvens é frequente, restringindo a utilização de sensores ópticos. Adicionalmente, o radar é capaz de imagear a superfície terrestre independentemente da iluminação solar, devido sua à capacidade em utilizar sua própria fonte de energia.
 
 
Estas características do radar imageador fazem com que ele seja amplamente utilizado em grandes projetos de mapeamento de recursos naturais renováveis e não renováveis. Particularmente, em investigações geológicas, as imagens de radar têm sido utilizadas com sucesso em ambientes de florestas tropicais chuvosas da América Central, América do Sul e Sudeste Asiático. O uso de radar nestas regiões serve como dado básico no reconhecimento geológico, na pesquisa mineral e na exploração de  hidrocarbonetos, bem como nos estudos  geomorfológicos, florestais e na preparação de mapas topográficos (Werle, 1988).
 
O princípio do sensor de Radar baseia-se em enviar uma onda e aguardar o seu retroespalhamento. Dependendo de sua intensidade, irá influenciar no tom e construirá uma imagem de uma região tendo grande visibilidade de sua geometria. O voo da aeronave com o sensor de radar durava de 3 a 4 horas e com velocidade média de 700Km.
Figura 2 - Imagens de radar aerotransportado com feições de relevo.
 
As sombras em imagens de radar indicam áreas na superfície do solo não iluminadas pelo radar e objetos altos. Como nenhum sinal de retorno é recebido pelo sensor, as sombras de radar exibem uma tonalidade muito escura na imagem. O encurtamento de pendentes na imagem é ocasionado pela encosta íngreme do objeto (Pico da Neblina) a base, a encosta e o topo da montanha são iluminados simultaneamente e, portanto, ocupam a mesma posição na imagem ocasionando o encurtamento de pendentes (E). Podemos também identificar na imagem uma inversão de relevo (Layover), pois se tratando em um objeto bastante elevado, teremos energia refletida e recebida pela parte superior de uma feição antes do retorno do sinal da parte inferior dessa mesma feição.
 
O volume de informações gerou uma série chamada de Levantamento de Recursos Naturais (LRN) que constituiu e constitui num inegável conjunto de informações precisas de posicionamento das unidades mapeáveis na escala de trabalho, traduzindo em textos e mapas temáticos, abrangendo um conjunto integrado de dados Cartográficos, Geológicos, Pedológico, Vegetação e Uso Potencial da Terra.
 
Figura 3 – Volume 23 do Levantamento de Recursos Naturais (LRN) projeto RADAM.
Fonte – Leonam, 2010.
Todavia, ainda gerou uma equipe multidisciplinar e integrada, altamente treinada que posteriormente foram incorporadas no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Figura 4 – Imagem do radar com suas texturas e tons radar gráfica.
 
A imagem acima é de Radar de Visada Lateral (RVL), com linha de vôo no sentido norte-sul. A interpretação será feita através do método de interpretação dos elementos radargráficos (feições), auferidos em cinco diferentes estádios (etapas): Leitura, Reconhecimento, Identificação, Análise e Interpretação (IVAN, 1995 p.1). Pela leitura dos elementos da imagem podemos perceber que se tratar de uma área bastante acidentada. Através do agrupamento dos elementos de mesma feição em função da textura, que é definida na imagem como “elemento de imagem" ao sinal de retroespalhamento referente a um determinado pulso, cujo conjunto forma a imagem de uma determinada cena (IVAN, 1995 p.26).
Assim, agrupamos 6 tipos diferente de feições que foram caracterizada pela rugosidade do terreno imageado (Área 2, 4, 5 e 6). Isso nos leva a interpretar como uma região montanhosa, (Área 2), com uma bastante acidentada (Área 4, 5 e 6). Algumas dessas elevações são de topo plano (Área 6) e agudos (Área 2). Este interpretação também pode ser ratificada em função das sombras desses objetos que “constitui uma das principais características das imagens de Radar [...]  e é de grande relevância para que o intérprete possa ter a noção de terceira dimensão [...] na imagem... (IVAN, 1995 p.34).
 
Na área 2 também podemos perceber que possivelmente tivemos o fenômeno de encurtamento de radar que “corre nas pendentes voltadas para a antena (reflexão frontal aguda), que devido aos  seus posicionamentos geométricos terão um único retorno, mostrando-se brilhante (tons brancos no RVL), sob a forma de linhas ou traços grossos (IVAN, 1995 p.36). Podemos identificar a presença de trechos de drenagens entre a área 1 e 2 em função da disposição irregular na superfície e antigos canais entre a área 2 e 3. Na área 3 temos uma superfície de rugosidade com  volume de espalhamento causado por vegetação em função de sua complexidade de sua copa que é distintos pelo seu retroespalhamentos de sinal.  Assim podemos perceber a potencialidades das imagens de Radar de Visada Lateral em mapeamentos, devido principalmente a extensas sombras, e outros fenômenos que somente os sensores de radar são capazes de detectar, principalmente em áreas com bastante presença de nuvens como a Amazônia.
 
Diante do exposto acima, observa-se que equipes técnicas do RADAM tiveram que desenvolver uma sistemática de procedimentos metodológicos inéditos em todo o mundo, a fim de em curto período de tempo promover o conhecimento de recursos naturais de uma região tão desconhecida.
Figura 5 - Joaquim Eduardo Witgen Barbosa analisando uma carta obtida pelo projeto Radam - Brasil (Mapeamento completo do País, utilizando técnicas de sensoriamento por radar). Fonte - http://www.inpe.br/50anos/linha_tempo/67.html
Um dos principais desafios enfrentados pela equipe do RADAM na região amazônica foi, indubitavelmente, o “modus operandi” da “verdade terrestre”, ou seja, da equipe de campo, pois, em uma região tão ínvia, inóspita e impérvia, com carência de vias de acesso, em especial nos interflúvios, desabitada e densa floresta ombrófila impenetrável. Os grandes desafios era verificar “in loco” os diferentes temas abordados, em razão de ser uma região com parcas rodovias, normalmente em péssimas condições de trafegabilidade, e as vias de acessos naturais, como os rios e igarapés, necessitarem de uma logística mais apuradas.
Os trabalhos temáticos e multidisciplinares do projeto RADAM resumiram-se nas seguintes etapas: bibliografias, interpretação temáticas preliminar, trabalham de campo, integração multidisciplinar, e produto final temático.
Os produtos gerados tiveram a assistência técnica de uma empresa Norte Americana, Earth Satellite Co. Essa empresa foi responsável pela preparação de especificações e aquisição de dados terrestres, inspeção e aceitação das imagens e dos mosaicos finais. Outra empresa contratada foi a Lasa Engenharia e Prospecções S.A. A Lasa ficou responsável pelo voo, controles de terra e mosaico controlado e semi controlado.
 
A interpretação das imagens, trabalho de campo e confecções de mapas foram realizada pela equipe do RADAM. Foram confeccionados 10 mapas, quais sejam: o geológico, o metalogenéntico, o do potencial de recursos hídricos, o geomorfológico, o fitoecológico, o exploratório de solos, o de aptidão agrícola, o de usos e potencial da terra, o de subsídios de planejamento regional. Logo, reduziu-se 38 volumes da Série Levantamento de Recursos Naturais (LRN).
Foram interpretadas 551 mosaicos semicontrolados de radar, na escala de 1/250.000. 800 profissionais, sendo 400 técnicos de mapeamento de nível superior e aproximadamente 400 técnicos de nível superior e médio, das áreas de apoio técnico, administrativo e logística. Até 1980, projeto possuía 702 servidores que posteriormente forma incorporados ao IGBE em 5 março de 1984.
 No final da década de 70, pensou-se me publicar os relatórios de campos e de pesquisa, uma vez que os volumes de LRN não eram suficientes para abrigar a grande quantidade de informações científicas coletadas no terreno. Tal ideia não foi adiantes.
 O Projeto RADAM, muito embora ligado a Departamento de Nacional de da Produção Mineral (DPNM), atuou em outras áreas dos recursos naturais renováveis ligadas a outros ministérios, pois, a carência de dados sobre a Amazônia brasileira sempre foi um empecilho para o planejamento desses órgãos.
 O RADAM prestou assessoria a diversos órgãos públicos e privados tais como o INCRA, FINEP, SUDECO, IPEA, FUNAI, IBDF, IDESP, ELETROBRAS, SUDAM entre outros. As fontes primárias para o RADAM eram provenientes do Orçamento da União e do Programa de Integração Nacional (PIN). O custo total realizado representou US$ 12,97/Km², os quais divididos pelos diversos produtos finais até então publicados, apresentado o valor unitário de US$ 1,44Km².
 
Assim, o projeto RADAM deixou importante legado, repleto de experiências, frutos de seus próprios esforços, de sua luta e de sua pertinácia. A principal delas são os volumes do Levantamento de Recursos Naturais (LRN) em número de 38 dos quais 34 impressos em papel e/ou CD-Rom, e 4 em CD Rom. Os LRN, deixado pelo projeto RADAM, são de grande valia, em razão de vários cartográficos na bacia do rio Solimões. Tais produtos são extremamente consultados até hoje e serviram de suporte para Estudos de Impactos Ambientais e Relatórios de meio Ambiente, Zoneamento Ecológico-econômico e Potencial geoambiental, em especial os da região amazônica.
 
Outra herança de grande relevância foi a forma de vários profissionais especializado em recursos naturais e meio ambiente, os quais no decorrer dos trabalhos de campos, laboratórios e escritórios adquiriram experiências, em razão do trabalho holístico-sistêmico desenvolvido durante o projetos. No universo de pontos positivos do RADAM pode-se citar a descoberta do Complexo Carbonatítico de Seis Lagos. Da Serra do Inajá e Serra do Ipitinga, Serras da Surucucu, Serra da Providência dentre outros.
O projeto RADAM representa até hoje a maior experiência mundial no estudo de imagem de Radar de Visada Lateral, no campo dos recursos naturais, renováveis e não renováveis, cujo resultado está hoje materializado nos 38 volumes do Levantamento de Recursos Naturais. No final de sua existência o projeto foi incorporado ao Ministério do Planejamento, em razão de sua absorção pelo IBGE.
Referência Bibliográfica
 
IVAM. M. C. Projeto RADAM: Uma Saga na Amazônia. Ed Pack Tatu,
Entrevista: Prof. Luiz Henrique Aguiar de Azevedo, Fev/2009. Disponível em: http://www.eng.uerj.br/entrevistas/lhazevedo/ Acesso em 07 de agosto de 2013.
 
 
 
 
 
 

Representações Cartográficas

Globo - representação esférica, em escala pequena, dos aspectos naturais e artificiais de uma figura planetária, com finalidade ilustrativa.

Mapa - representação plana, em escala pequena, delimitada por acidentes naturais ou políticos-administrativos, destinada a fins temáticos e culturais.

Cartas - representação plana, em escala média ou grande, com desdobramento em folhas articuladas sistematicamente, com limites de folhas constituídos por linhas convencionais, destinada a avaliação de distância e posições detalhadas.

Planta - tipo particular de carta, com área muito limitada e escala grande, com número de detalhes consequentemente maior.

Mosaiso - conjunto de fotos de determinada área, montadas técnica e artisticamente, como se o todo formasse uma só fotografia. Classifica-se como controlado, obtido apartir de fotografia aéreas submetidas a processos em que a imagem resultante corresponde à imagem tonada na foto, não controlado, preparado com o ajuste de detalhes de fotografia adjacentes, sem controle de termo ou correção de fotografia, sem preocupação com a precisão, ou ainda semicontrolado, montado combinando-se as duas características descritas.

Fotocarta - Mosaico controlado, com tratamento cartográfico.

Ortofotocarta - fotografia resultante da transformação de uma foto original, que é um perspectiva central do terreno, em uma projeção ortogonal sobre um plano.

Ortofotomapa - conjunto de várias ortofotocartas adjacentes de uma determinada região.

Fotoíndice - montagem por superposição das fotografias, geralmente em escala reduzida. É a primeira imagem cartográfica da região. É o insumo necessário para controle de qualidade de aerolevantamentos utilizados na produção de cartas de método fotogramétrico.

Carta Imagem - imagem referênciada a partir de pontos identificáveis com coordenadas conhecidas, superposta por reticulado da projeção

Revista Geografia, Conhecimento Prático, n 23, p 54. ed. Escala